O juiz federal Ney Belo, do TRF-1, ao conceder habeas corpus para a odontóloga Rosângela Curado, presa pela PF durante a operação “Pegadores”, condenou o espetáculo de prisões feitas em algumas operações.
“O correto e o esperado é que fatos novos possivelmente criminosos, quando descobertos na instrução criminal ou em novo inquérito conexo, ou ainda mediante o artifício da prova emprestada, sejam investigados com agilidade e com rigor, sem o desnecessário espetáculo das prisões a não ser que haja concreta e demonstrada necessidade de encarceramento”, disse o magistrado.
Belo disse que não existe crime na utilização de folha extra e na contratação de serviços de pessoas jurídicas, mas pode haver no pagamento de remuneração sem a devida prestação dos serviços e na utilização de notas frias.
“Não há crime na utilização de folha extra, não há crime na utilização de serviços de pessoa jurídica, mas pode haver crime na pulverização de remunerações dadivosas, sem o correspondente trabalho, e no desvio de valores públicos a partir da utilização de notas fiscais indevidamente emitidas”, diz o juiz federal.
Veja a íntegra do despacho de Ney Bello:
PROCESSO: 1011221-02.2017.4.01.000
PROCESSO REFERÊNCIA: 486225220174010000
CLASSE: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307)
IMPETRANTE: ROSÂNGELA APARECIDA DA SILVA BARROS
IMPETRADO: JUÍZO DA 1 VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO
MARANHÃO
DECISÃO
Daniel de Faria Jerônimo Leite, inscrito na OAB/MA sob o n° 5.991, e Tharick Santos Ferreira, inscrito na OAB/MA sob o n° 13.526, impetram o presente habeas corpus, com pedido de liminar, em favor de Rosângela Aparecida da Silva Barros, qualificada na inicial, contra ato praticado pelo Juízo Federal da Ia Vara da Seção Judiciária do Maranhão, nos autos do processo 40715-18.2016.4.01.3700, que decretou a prisão temporária da ora paciente em 16/11/2017, e a prorrogou em 20/11/2017.
Os impetrantes sustentam que a paciente teve sua prisão temporária decretada por fatos relativos ao ano de 2015, em novembro de 2017, quando não mais exerce função pública desde agosto de 2015. Esta ausência de contemporaneidade entre os fatos investigados e o decreto prisional bem demonstram a ilegalidade da custódia aqui combatida.
Afirmam que o caso remonta aos idos de 2015, quando fora deflagrada a operação “Sermão dos Peixes”, que buscava coibir supostos desvios de dinheiro
público da saúde através de contratos do Governo do Maranhão com as entidades ICN, BEM VIVER e IDAC.
Aduzem que a Polícia Federal protocolou representação no Juízo de base pugnando pela prisão preventiva em desfavor da paciente e outros, bem como pela busca e apreensão nos endereços residenciais e comerciais dos investigados, de outras empresas privadas e em órgãos públicos e afastamento cautelar.
Alega que só então no dia 13 de novembro de 2017, a autoridade coatora, ao analisar o pleito policial, indeferiu o pedido de prisões preventivas, contudo, decretou a prisão temporária no prazo de 5 dias da requerente e mais 19 pessoas, se efetivando a custódia sem qualquer resistência no dia 16/11/2017, prestando os esclarecimentos devidos à autoridade policial, conforme cópia do mandado de prisão e termo de interrogatório em anexo.
De acordo com os impetrantes, para deferir a medida cautelar extrema, a magistrada levou em consideração que a medida se justificaria, pois na ‘condição de Subsecretária de Estado de Saúde do Maranhão, há fortes indícios – lastreados em diálogos interceptados, transações bancárias e documentos diversos analisados por este Juízo em cognição sumária – de que a investigada não só tinha o conhecimento das fraudes nas contratações de pessoas no âmbito da SES/MA e dos pagamentos ilícitos, como também era a responsável pelas tratativas com os diretores das entidades do terceiro setor, coordenava as listas de pessoal, atestava as notas fiscais que viabilizavam tais pagamentos, bem como se beneficiou diretamente dos desvios de recursos públicos e contribuiu para a dissimulação desses valores, fatos que, caracterizam em tese, os crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e corrupção passiva.’.
Salientam que após a efetivação das medidas cautelares, e com base no argumento de ausência de contemporaneidade da medida cautelar, foi protocolado pedido de revogação da prisão temporária da ora paciente, indeferida pelo Juízo a quo ao fundamento de que os documentos apreendidos precisam ser examinados com profundidade, em face da gravidade das informações descobertas. Igualmente, poderá ser necessário realizar novas inquirições, garantindo-se a incomunicabilidade dos investigados, afim de que não combinem versões.
Ressaltam que a ora paciente exerce a função de dentista, necessitando do trabalho para manter-se (assim como à sua família), de modo que seu encarceramento prejudica severamente seu sustento e de seus familiares. Também alegam que as quebras de sigilo bancário da paciente revelaram sua situação financeira precária.
Requerem, por fim, a concessão liminar da medida para fazer cessar a prisão temporária, com a libertação da ora paciente, por considerarem presentes ofumus boni iuris e o periculum in mora.
É o breve relatório.
Decido
No presente caso, como visto, os impetrantes pretendem obter, mediante liminar, a revogação da prisão temporária da paciente, decretada pela autoridade apontada coatora.
De acordo com o STJ, “a concessão de liminar em habeas corpus é medida de caráter excepcional, cabível apenas quando a decisão impugnada estiver eivada de ilegalidade flagrante, demonstrada de plano” (HC 245.975/MG, Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, DJe 7/12/2012). No mesmo sentido, confira-se o RHC n. 36.497/RJ, Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE), Sexta Turma, DJe l°/8/2013 e o AGRG no AREsp 419.225/SP, Sexta Turma, Sebastião Reis Júnior, DJe 07/L0/2014).
Consoante entendimento da Terceira Turma deste TRF Ia Região, “o habeas corpus, tal como o mandado de segurança, é ação constitucional que exige prova pré-constituída, apta a comprovar, de plano, a ilegalidade aduzida na petição inicial, não sendo possível conhecer de impetração mal instruída, em que não tenha sido juntada peça essencial para o deslinde da controvérsia.” (HC 0033779-53.2015.4.01.0000/AC; rei. Desembargador Federal Ney Bello; unânime; e-DJFl de 26/11/2015, p. 966)
É o caso!
Em duas oportunidades esta Terceira Turma, à unanimidade, concedeu a ordem parcial de habeas corpus ou para substituir o decreto de prisão preventiva daquele paciente pela prisão domiciliar, com aplicação de medidas cautelares nos termos do art. 319 do Código de Processo Penal e mediante o pagamento de fiança de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) – HC 64612-54.2015.4.0.0000/MA – ou para conceder liberdade provisória, com o cumprimento de medidas cautelares e recolhimento de fiança de R$ 100.000,00 (cem mil reais) – HC 60300-98.2016.4.01.0000/MA.
Trago à colação as decisões desta 3ª Turma:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. “OPERAÇÃO SERMÃO AOS PEIXES”. PECULATO. ARTIGO 312 DO CÓDIGO PENAL. ARTIGO 2o DA LEI 12.850/2013. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. INOCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES AUTORIZADORAS DA CONCESSÃO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. LIBERDADE PROVISÓRIA. PRINCÍPIO DA CONTEMPORANEIDADE. POSSIBILIDADE. FIANÇA. PARECER MINISTERIAL FAVORÁVEL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
O pretendido trancamento de inquérito policial, assim como de ação penal, por meio de ordem de habeas corpus, constitui medida excepcional e somente se justifica quando, de plano, evidenciar-se a atipicidade do fato narrado ou a inexistência de indícios que o fundamentem, o que não é o caso dos autos. Desta forma, o trancamento do inquérito policial mostra-se inapropriado diante da possibilidade dos fatos descritos nos autos configurarem ilícito penal, ao menos em tese, justificando-se o prosseguimento do feito.
A prisão preventiva exige a constatação, em concreto, de pelo menos um dos fundamentos cautelares previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. A prisão somente se legitima com apoio em base empírica idónea, reveladora da efetiva necessidade da constrição do status libertatis do indiciado ou acusado.
Em que pese os fundamentos do magistrado a quo, não se verificam nos autos motivos reais e concretos que indiquem a necessidade de imposição de tão grave medida – prisão preventiva -, pois o delito não foi praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, nem é daqueles que causam clamor público de forma que representa qualquer risco social colocação da ora paciente em liberdade, mediante o cumprimento de medidas cautelares.
In casu, o paciente teve sua prisão em preventiva decretada em face do seu suposto envolvimento, em unidade de desígnios com outros codenunciados, no desvio de recursos públicos federais geridos pela Organização Social Instituto Cidadania e Natureza (ICN) e pela OSCIP Bem Viver, através da emissão e descontos de cheques com a adoção de técnicas para ocultar e dissimular a origem e destino dos valores desviados, bem como fatos relacionados à aquisição de aeronave com recursos públicos, também vinculados às citadas organizações.
“A falta de contemporaneidade do delito imputado ao paciente e a inocorrência de fatos novos a justificar, nesse momento, a necessidade de segregação, torna a prisão preventiva ilegal, por não atender ao requisito essencial da cautelaridade”. (SJT, RHC 74.292/RS, Sexta Turma, Rei. Ministro Néfi Cordeiro, DJe de 10/11/2016).
Diante do quadro fático, necessário se faz a substituição da prisão preventiva imposta ao ora paciente pela liberdade provisória, com o cumprimento de medidas cautelares e recolhimento de fiança.
Considerando-se o universo de valores mencionados no presente feito, sobre os quais recaem suspeitas de desvio, considerando, ainda, o património do paciente e a relevância dos fatos, faz-se mister fixar tais valores referentes à fiança em volume equânime.
Nesse diapasão, com fundamento na garantia processual, ante a gravidade da conduta e considerando os valores envolvidos nas investigações realizadas pela Polícia Federal, aliados à situação fática do paciente, e tendo em linha de visão, ainda, o caráter pedagógico da medida visando a inibição de prática delituosa, arbitra-se o valor da fiança, nos termos do indigitado art. 326 do Código de Processo Penal, em R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Ordem de habeas corpus parcialmente concedida. (HC 60300-98.2016.4.01.0000/MA)
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PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO SERMÃO AOS PEIXES. ESTELIONATO E PECULATO. ARTIGOS 171 E 312 DO CÓDIGO PENAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ART. 2o DA LEI 12.850/2013. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. Io DA LEI 9.613/1998. PRISÃO PREVENTIVA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. SUBSTITUIÇÃO DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR POR PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. PRECÁRIO ESTADO DE SAÚDE DO PACIENTE. COMPROVAÇÃO POR LAUDO MÉDICO. MEDIDAS CAUTELARES DO ART. 319 DO CPP. APLICAÇÃO. PAGAMENTO DE FIANÇA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
A prisão preventiva do ora paciente foi determinada, juntamente com outros investigados, em 21/10/2015, em razão de pedido do MPF e representação da autoridade policial, por ele ter, supostamente, praticado os crimes tipificados nos artigos 171 e 312 do Código Penal; e artigos 2o da Lei 12.850/2013 e Io da Lei 9.613/1998. O Paciente se apresentou espontaneamente à Sede da Polícia Federal em São Paulo/SP, em 23/11/2015.
A garantia da ordem pública e conveniência da investigação criminal justificam a decretação da prisão preventiva quando fundada em elementos fáticos concretos, suficientes a demonstrar a necessidade da medida.
O fumus comissi delicti e o periculum libertatis estão presentes, haja vista que a materialidade delitiva e os indícios de autoria em relação ao paciente presumem-se pelos elementos de provas trazidos nos presentes autos.
Paciente investigado no bojo da “Operação Sermão aos Peixes”, deflagrada pela Polícia Federal para apuração de possível existência de organização criminosa voltada ao desvio de recursos públicos federais, oriundos do Fundo Nacional de Saúde – FNS e destinados ao Sistema de Saúde do Estado do Maranhão, mediante a constituição de parcerias entre o Poder Público e pessoas jurídicas de direito privado, especialmente a Organização Social (OS) denominada Instituto Cidadania e Natureza – ICN e a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) BEM VIVER.
Segundo o Parquet, “as movimentações bancárias demonstram que o paciente transferiu vultosos valores do Instituto Cidadania e Natureza (ICN), organização social sem fins lucrativos prestadora de serviços de saúde para o Estado do Maranhão, para sua própria conta – tipo de conta conjunta mantida com sua esposa – e ainda realizou diversas transferências para seus familiares, para um plano de previdência complementar e até para uma agência de viagens. Tudo isso está a indicar ao menos a ocorrência dos crimes de peculato e de lavagem de dinheiro”.
Possibilidade de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, haja vista a comprovação por laudo médico do estado crítico de saúde do investigado e paciente. Aplicação das medidas cautelares do art. 319 do CPP, pois o delito imputado não foi praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, e ante a primariedade e a comprovação de residência fixa e ocupação laborai lícita, há de ser fixada.
A redução do risco de agravamento de doenças que acometam o paciente, objetivando a redução da possibilidade de ele vir a óbito é medida que se impõe, haja vista o fato de a prisão domiciliar gerar o mesmo efeito da prisão preventiva, no caso concreto.
Liberdade provisória é um benefício de ordem processual cujo princípio orientador está insculpido no inciso LXVI do art. 5o da Constituição Federal: ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Contudo, prisão domiciliar é uma espécie de medida cautelar que se compatibiliza com o instituto da fiança.
Para a fixação da fiança, estatui o art. 326 do CPP: “Para determinar o valor da fiança, a autoridade terá em consideração a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento”.
Com fundamento na garantia processual, ante a gravidade da conduta e considerando os valores envolvidos na investigação policial, aliados à situação fática do paciente, e tendo em linha de visão, ainda, o caráter pedagógico da medida visando a inibição de prática delituosa, arbitro o valor da fiança, nos termos do indigitado art. 326 do CPP, em R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais).
Ordem de Habeas Corpus parcialmente concedida para substituir o decreto de prisão preventiva do paciente pela prisão domiciliar com aplicação de medidas cautelares, nos termos do art. 319 do Código de Processo Penal e mediante o pagamento de fiança. (HC 64612-54.2015.4.0.0000/MA).
Tais decisões ocorreram quando da realização da primeira fase da Operação Sermão aos Peixes e diziam respeito a paciente que se colocava na posição de contratado da Secretaria de Saúde, e que fora acusado de drenar recursos públicos recebendo-os graciosamente.
No caso em tela, e segundo a decisão atacada, a autoridade policial relatou que a partir do exame dos elementos obtidos com as medidas cautelares de interceptação de comunicações telefónicas, busca e apreensão, afastamento de sigilos bancário, fiscal e telemático, prisões e conduções coercitivas autorizadas no bojo do IPL 680/12-SR/PF/MA, foram descobertos novos delitos.
Não me parece que seja efetivamente assim!
Apesar da coincidência de alguns investigados, entre eles a ora paciente, nem todas as pessoas participantes são as mesmas, razão pela qual se instaurou o IPL 468/15, embora possa ser observado que a quase totalidade dos fatos remonta a 2015. Noto, neste ponto, que em 2015 diversas medidas de coleta de provas foram realizadas, e à exaustão, o que torna no mínimo questionável esta nova fase da Operação Sermão aos Peixes no seu capítulo que trata de fatos ocorridos na época da coleta de provas deferida judicialmente.
Devido à complexidade das investigações, a autoridade policial requereu o desmembramento da investigação em inquéritos segundo a modalidade de desvio de recursos públicos praticada, o que é medida correta e salutar para deslindar cada detalhe do que teria ocorrido desde 2012 no âmbito da Secretaria de Saúde do Estado do Maranhão.
O Juízo impetrado não só deferiu a medida como autorizou o compartilhamento dos dados do IPL 468/15. Com base no compartilhamento foi instaurado o IPL 1162/16, sobre o qual se apoia a representação pela prisão temporária do paciente. Esta medida é assaz correta, assim como as buscas e apreensões deferidas nestes autos na medida em que toda produção de prova, e análise detalhada é salutar quando se vislumbra ocorrência de delitos.
Toda a fundamentação da decisão examinada se refere ao aprofundamento das investigações do IPL 680/12, por meio do IPL 1162/16, cujo objetivo é apurar o desvio de verbas federais que estariam ocorrendo – ou teriam ocorrido – por meio de fraudes na contratação e pagamento de pessoal no curso dos contratos de gestão e termos de parceira, firmados com entidades do denominado terceiro setor, como frisou a decisão.
De acordo com o Juízo impetrado:
Os fatos narrados pela autoridade policial, apoiados nos diálogos legalmente interceptados e nos dados bancários e fiscais obtidos com autorização judicial apontam para a existência de um esquema de desvio de recursos públicos que se utilizava de entidades paraestatais (OS e OSCIP) para encobrir o enriquecimento ilícito de pessoas integrantes da Secretaria de Estado da Saúde do Maranhão, da Superintendência de Acompanhamento à Rede de Serviços, de gestores e assessores dos entes terceirizados, além de uma ampla rede de beneficiários.
Percebo que a decisão lançada em 13.11.2017 e a sua prorrogação já em 20.11.2017, ambas cumpridas logo em seguida, apoiaram-se factualmente nos termos da Representação da Autoridade Policial – com as modificações interpretativas levadas a efeito pelo Ministério Público Federal – para deferir medidas cautelares sobre situação de fato, situação esta que pode ser decomposta em três conjuntos de atitudes apontadas como criminosas: a) pagamentos realizados em folha complementar; b) utilização de empresas para pagamento de salários extra; c) pagamentos realizados pelos institutos BEM VIVER, ICN e IP AC.
É preciso observar que o pagamento de salários mediante folha complementar não necessariamente representa uma ilicitude penal e nem obrigatoriamente implica desvio de dinheiro público. Tampouco o fato de haver desvio de finalidade ou absorção por um setor da administração pública de servidor lotado em outro lugar da administração implica desvio de verba pública, por peculato ou outra modalidade criminosa.
Obviamente um contratado lotado numa unidade hospitalar não deveria estar prestando serviço na sede da Secretaria de Estado, nem tampouco receber salário em razão de uma função específica, quando na realidade está prestando outro serviço, com outras atribuições. Entretanto, esta ocorrência não implica ausência de trabalho, em contrapartida de salário recebido, mas sim um desvio de finalidade ou de atribuições. O empregado da prestadora de serviço pode estar trabalhando em unidade diferente daquela na qual ele está lotado.
Da mesma maneira, o pagamento de acréscimo de vencimentos a servidores públicos, através das OS e OSCIP, quer sejam eles médicos, enfermeiros, administradores ou agentes de poder pode ser questionável, e pode não ser jurídico, na medida em que tais valores não foram fixados em lei e não são atribuíveis ao cargo público ocupado, mas antes de ser modalidade de desvio podem ser também hipótese de adequação do profissional médico ao mercado, para que o vencimento pago a ele não permaneça defasado e mantenha o sistema médico hospitalar público funcionando.
A só existência de pagamento em folha complementar não significa ilícito criminal apto a ensejar uma prisão cautelar. É preciso verificar, in casu, se esses servidores que recebiam através de folhas anormais de pagamento prestavam serviço, ou não, na sede da Secretaria de Estado da Saúde ou em outra unidade hospitalar diferente daquela onde estavam lotados e deveriam assinar o ponto, manual ou digital. Será preciso verificar se o acréscimo de salário de um servidor da administração direta tem algum fundamento jurídico a justificá-lo, o que pode acarretar ilícito ou não.
Também não é possível criminalizar desde logo a modalidade de escolha do trabalhador contratado pela OS ou OSCIP, haja vista o fato de que o sistema jurídico que as acolhe não exige a segurança do concurso público nos mesmos moldes que exige para a administração direta. Assim, malgrado pareça um erro ou um ilícito para quem entende a grandeza da atividade estatal – que acolhe os melhores pela via do rigoroso sistema concursal – é preciso verificar que esta foi uma escolha do legislador, e acolhida por uma discricionariedade política permitida pelo legislador ao administrador público.
A análise de desvio de finalidade, mera discricionariedade ou desvio de valores deve se dar caso a caso, e não é possível vislumbrar, aprioristicamente, ilicitude criminosa na existência da folha de pagamento complementar. Diversas profissões públicas e muitos setores privados se utilizam de folha extra sem que isso implique num crime. Em alguns casos, sequer é uma irregularidade. Da mesma maneira, a informação prestada ao juízo da 1ª vara pela Autoridade Policial dando conta de 427 (quatrocentos e vinte e sete) “funcionários fantasmas” precisa ser analisada cum grano salis, haja vista o fato de que a inexistência de vínculo formal - comprovado pela ausência de GFIP – não é critério absoluto para certificar a existência ou não do funcionário e do serviço prestado. O fato é que o servidor pode estar se dirigindo ao local de trabalho todos os dias, fazendo jus à remuneração justificadora do pagamento, e não haver GFIP. Do só fato de o ICN não ter se utilizado da guia legalmente devida não se pode concluir que se trata de lista de servidor inexistente no âmbito da Secretaria de Saúde, até o ano de 2015, remunerados pelo Instituto.
Da mesma maneira, a contratação de trabalhadores em regime privado através de empresas de recursos humanos é inteiramente lícita, e pode ocorrer no regime das Organizações do Terceiro Setor – OS e OSCIP – sem qualquer ilegalidade, desde que o dinheiro público empregado no pagamento destas empresas, mediante a emissão de notas fiscais, seja provadamente aplicado no pagamento de salários de trabalhadores que comprovadamente prestem serviços.
Assim, o sistema de administração de serviços de saúde utilizado no Estado do Maranhão, por opção política dos governantes levado à efeito quase uma década atrás permite – sem nenhuma ilegalidade – que a própria organização do terceiro setor que administra as unidades do sistema pague seus fornecedores, seus médicos, seus empregados e seus prestadores de serviços fora do sistema público, não se submetendo às formalidades absolutas do sistema estatal. Não podem visar ao lucro, mas não operam com a rigidez contratual e rigidez de escolha da administração direta. Isto implica dizer que não há – a priori – ilicitude na contratação de empresas, desde que haja comprovação de que o valor pago mediante apresentação de Nota Fiscal corresponda a um serviço ou a um fornecimento ou a uma atividade legalmente e realisticamente executados.
Em ultima análise, a ilicitude criminosa subsiste não na forma ou na atividade, mas na gratuidade, na dádiva, no desvio e no enriquecimento ilícito. Não há crime na utilização de folha extra, não há crime na utilização de serviços de pessoa jurídica, mas pode haver crime na pulverização de remunerações dadivosas, sem o correspondente trabalho, e no desvio de valores públicos a partir da utilização de notas fiscais indevidamente emitidas.
Não fora o bastante a existência de fundadas dúvidas quanto à justa causa para medidas cautelares restritivas do direito de ir e vir no âmbito desta operação - sem o detalhamento e explicitação dos delitos de desvios que acarretaria no fumus boni iuris para a medida cautelar – ainda vislumbro para a ausência de contemporaneidade destas medidas, tendo em vista que, ao menos no que diz respeito a esta paciente, TODOS os fatos praticados por ela, na qualidade de servidora pública, ocorreram em 2015.
Conforme relatório do MPF às fls., 341 do feito original, a prática de pagamento de salários através de folha extra se deu em derredor do ano de 2015, quando a investigada ROSÂNGELA CURADO era Subsecretária de Saúde do Estado do Maranhão.
Observo, entretanto, que os fatos descritos na decisão judicial apontam para comportamentos tomados por ilícitos que foram praticados em 2015, razão pela qual se revela no todo incabível e abusiva a decretação de prisão cautelar no ano de 2017 em virtude de fatos pretéritos e albergada sob o etéreo manto da possibilidade de reiteração das práticas descritas.
Não é minimamente razoável requerer encarceramento de investigados por fatos ocorridos preteritamente, meneionando-se “desvio de verbas federais que estariam ocorrendo por meio de fraudes na contratação e pagamento de pessoal no curso dos ‘Contratos de Gestão e Termos de Parceria’ firmados com entidades de denominado terceiro setor” (Relatório Policial citado na decisão àsfls., 2), quando o relatado, em sua quase totalidade – ao menos em relação a esta paeiente – cuida do ano de 2015, não do ano corrente de 2017.
Demais disso, já tendo esta Corte Federal tratado deste universo fático por duas vezes e havendo ação penal instaurada para tratar dos desvios mencionados na 1ª Fase da Operação Sermão aos Peixes não se há de decretar novas prisões cautelares a menos que haja concreta e específica descrição de novos fatos atribuídos aos investigados ou réus. Do contrário, não estaríamos distantes de estabelecer nada mais que descontentamento injustificado dos órgãos de investigação e do juízo processante para com as decisões do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
O correto e o esperado é que fatos novos possivelmente criminosos, quando descobertos na instrução criminal ou em novo inquérito conexo, ou ainda mediante o artifício da prova emprestada, sejam investigados com agilidade e com rigor, sem o desnecessário espetáculo das prisões a não ser que haja concreta e demonstrada necessidade de encarceramento.
Isto não passou despercebido ao Ministério Público Federal quando afirmou que “logo, descabida é a decretação de prisão preventiva em face de Rosângela Aparecida Silva Barros, Luiz Marques Barbosa Júnior, Mariano de Castro Silva, Chislane Gomes Marques e António Matos Nogueira, em virtude da ausência de demonstração de que persiste o risco de reiteração delitiva após a rescisão do contrato da SES/MA com o IDAC a partir de 05 de junho de 2017.” (Grifo do Ministério Público Federal).
Não poderia ser diferente, pois BEM VIVER, ICN e IDAC já não possuem mais qualquer vinculo contratual com o Estado do Maranhão.
Os fatos, a meu ver, não são novos, pois a própria autoridade impetrada informou cuidar-se de continuidade do IPL inicial.
Além disso, de acordo com a autoridade coatora, as condutas imputadas à ora paciente dizem respeito a autorizações de pagamentos feitos pelas entidades do Terceiro Setor às empresas de fachada, provas, a meu ver, comprovadas essencialmente por meio de documentos.
Ainda que tais fatos fossem contemporâneos, a busca e apreensão já foi realizada, o que não justifica a encarceramento da paciente.
Mas, para longe disso, o que se vê, até o momento, é que Rosângela Aparecida da Silva Barros – ou Rosângela Curado - já este em cárcere por cinco dias, já prestou depoimento e não há sinal de resistência ou especificação de prova que ainda deva ser produzida a justificar o encarceramento temporário.
Os fundamentos apresentados pelo juízo impetrado, a meu ver, são insuficientes para a decretação da prisão temporária, ainda que a medida sirva para garantir o sucesso das investigações, nos termos do inciso I do art. 1º da Lei 7.960/89.
A prisão temporária não se submete aos mesmos critérios da prisão preventiva, pela só razão de que, como se trata de prisão para contribuir com a investigação, ela pode ser decretada muito posteriormente aos fatos narrados, se e somente se, for possível demonstrar concretamente o que se quer com o recolhimento por razões de coleta de prova. Não há esta especificação na presente decisão.
No modelo constitucional brasileiro – de resto em todo o mundo ocidental - a regra é a liberdade, devendo subsistir até o momento em que haja fundadas razões para o seu tolhimento, o que deve se dar de forma concreta e fundamentada. Não encontra acolhimento no seio da dogmática penal brasileira o ato de prender para averiguar, para investigar, para punir antecipadamente ou para reforçar a imagem dos órgãos de investigação.
No caso concreto, agiu com inequívoco acerto o Juízo demandado quando indeferiu os pedidos de prisões preventivas sem hipótese de cabimento para outros investigados, mas – no que importa a esta paciente – se equivocou na medida de prorrogação da prisão temporária, pois não há motivo ou fundamento que a justifique. Não há fundamento de justa causa para a prisão temporária e nem o apontamento de quais as diligências seriam necessárias para elucidar a sua conduta anterior, que necessitariam ser praticados sem a sua interferência, notadamente quando já foi ouvida. Ressona a pergunta: em que medida seria imprescindível para a investigação a prorrogação de sua prisão sua prisão temporária?
Como a urgência intrínseca da prisão cautelar impõe a contemporaneidade dos fatos justificadores aos riscos que se pretende com a prisão evitar, o pleito deve ser deferido liminarmente, tendo em vista, em sua maioria, cuidar-se de fatos nem de longe novos.
Além de duvidoso o fumus comissi delicti – questionáveis os indícios de autoria e de materialidade do que se aponta -, o mesmo ainda se pode dizer do periculum libertatis – possibilidade concreta de interferência na instrução criminal.
A gravidade da conduta, acaso verdadeira, por si só, é fundamento insuficiente para a decretação da prisão temporária.
Os réus devem ser investigados. Devem responder – se for o caso – ao devido processo penal. Devem suportar as penas da lei acaso fiquem provados seus ilícitos. Contudo, a persecução penal não deve e nem pode estar subordinada aos movimentos punitivos prévios à pena, ao alvedrio da legislação processual penal vigente.
Observo, por fim, que os fatos atribuídos à ex-funcionária da Secretaria de Saúde podem e devem ser investigados à exaustão, mas não há a clara ou inequívoca demonstração de em que medida o encarceramento contribuiria para tanto.
A situação da paciente é no todo diferente de quem, até recentemente era servidor público e sobre quem pesa o fato de ter corroborado ou auxiliado no desvio de recursos públicos estando no exercício do cargo até poucos dias, inclusive pagando-se a si próprio por interposta empresa.
A paciente não faz parte do serviço público de saúde desde 2015.
Até mesmo os recebimentos da paciente – paga que teria sido por uma OS -poderiam – ou não – serem explicados em razão de sua profissão de odontóloga, que obviamente pode contratar com poder público até mesmo através de pessoa jurídica. Da mesma maneira, eventuais recebimentos não declarados à justiça eleitoral devem ser investigados e analisados – se for o caso – para que Justiça possa ter pleno conhecimento da licitude ou ilicitude de tais relações.
Porém, nada a apontar que a prisão temporária prorrogada por além do prazo legal – que serve como Standard para tais decretações – possa se justificar.
Pelo exposto, concedo a liminar para fazer cessar os efeitos do ato praticado pelo Juízo apontado coator – decretação da prorrogação da prisão temporária do paciente.
Revogo-a.
Ao juízo coator para que expeça incontinenti o alvará de soltura.
Informações solicitadas ao juízo para que as preste em 48 (quarenta e oito) horas
Após, à Procuradoria Regional da República da Ia Região.
Voltem-me conclusos os autos, com parecer ministerial, para julgamento na próxima sessão da Terceira Turma deste Tribunal Regional Federal.
Intime-se. Publique-se.
Brasília, 22 de novembro de 2017.
Desembargador Federal NEY BELLO Relator
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